quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

O esforço do remador

O ESFORÇO DO REMADOR


Ramalho Ortigão descreveu o Remo com esta frase soberba:
“ De calças arregaçadas e pernas nuas, com o peito ao vento, a elasticidade de um bom remo espadeirando a água comunica-se ao nosso arcaboiço e parece que, nesse exercício triunfal, todos os ossos cantam, como canta o estropo do couro cru, amarrado ao tolete, quando se pica a voga.
Dizem os do Algarve que, para remar, tudo puxa desde as unhas dos pés, até às pontas dos cabelos.
Quando se rema estirado, pranchando o corpo todo no mergulho do remo, o esforço empregado distribui-se igualmente por todos os músculos das pernas, dos braços, do tórax e dos rins, dando a máxima plenitude da força, a mais intensa sensação de poder e de vitória.
Remar, é dizer ao Oceano – chega-te para trás que vai aqui um homem! – e ver o Oceano obedecer.”  
Atendendo a que o Remo desenvolve bastante toda a estrutura muscular e articular do corpo humano, não é um desporto pesado nem desaconselhável. Pode ser mesmo recomendável para pessoas com problemas de peso, asma e diabéticos. A sua prática pode ser efectuada por pessoas de todas as idades e sexo.

A prática do desporto do Remo tem uma vertente recreativa, para manutenção do corpo e da mente e competitiva, mais exigente, com Campeonatos Nacionais, Europeus, Mundiais e Jogos Olímpicos.
Aos atletas de competição existe a obrigatoriedade de pelo menos um treino diário, tendo como objectivo a melhoria da performance da força, velocidade, resistência e flexibilidade. Sendo um desporto essencialmente colectivo, a sua prática fundamenta-se em sucessivos e cadenciados movimentos do corpo e dos remos. A água é transformada no ponto de apoio do remo num movimento coordenado e ritmado dos remadores com o objectivo de projectar a embarcação o mais rápido possível.

Dado que a melhor técnica é “aquela que faz andar o barco mais depressa” há sempre nos puristas a ideal. A maneira de pegar no remo, como sentar no carrinho, o ângulo do corpo, a colocação dos pés são motivo de discussão entre os treinadores e atletas.
O atleta está sentado num assento com rodas – carrinho –, que se movimenta numas calhas (cerca de 72 cm.) colocadas no poço da embarcação. A remada divide-se em duas fases distintas: a propulsiva – quando o remo está dentro de água – e a de descanso quando o atleta vem à frente preparar nova remada.
Os pés estão presos no finca pés ou pau de voga iniciando-se a remada com o deixar cair do remo na água – o ataque e a tomada de água – através do acto de levantar os punhos. Seguidamente, entram em acção as pernas empurrando com toda a força o pau de voga até estarem completamente esticadas. Nesse momento principia o movimento do tronco que está inclinado para a frente, estável, abrindo por completo até formar um ângulo confortável para, então, os braços puxarem o remo para o peito o mais rapidamente possível. Resumidamente, numa sequência sem paragem, de Pernas, Tronco e Braços.
Sequentemente vem a fase de descanso, mais lenta que a anterior em que o atleta inspira profundamente e ganha alento para um novo esforço de remada. O atleta empurra o remo para baixo tentando conseguir uma saída limpa do remo da água – o safar – devendo para isso a velocidade do movimento descendente do remo ser igual à velocidade do barco (assim como no ataque a velocidade ascendente do remo), começando por esticar os braços completamente, colocando seguidamente o tronco na posição de inicio de remada e começando a encolher as pernas para preparar a nova remada. Verifica-se assim uma sequência de Braços, Tronco e Pernas.
Para dificultar o remo tem que rodar na forqueta, sendo colocada a pá paralela à água na vinda à frente e, depois do punho passar os joelhos, na perpendicular à água para a próxima fase propulsiva.

        
Os músculos nas Fases da Remada

Ataque:





Remada:








 





Final:







Ida à frente:







A distancia de corrida padrão numa prova de Remo é de 2000 metros e tem uma duração média de cerca de sete minutos. É no início de prova – A Largada – que os remadores são capazes de aplicar a sua máxima força – 1 000 N *–. À medida que o barco acelera a força aplicada cai para um quarto. É também durante a Largada que a cadência é mais elevada chegando a ser medida uma voga – remadas por minuto – de 48 nos primeiros 45 segundos de prova diminuindo depois durante a prova para uma voga média de 33 - 35.
A enorme potência aplicada induz, no remador, uma quebra instantânea do alimento muscular ATP (Adenosina trifosfato) e CP (creatina fosfato). Como a demanda de energia excede em muito aquilo que pode ser fornecido através do uso de oxigénio (metabolismo aeróbio) a repetição da contracção muscular só pode continuar como resultado da glucose (metabolismo anaeróbico) o que permite que a ATP seja gerada na ausência de oxigénio. O problema é que esta reacção química vai provocar uma acumulação de lactato (ácido láctico) nos músculos, causando fadiga extrema ao atleta. Se a duração da corrida fosse apenas de cerca de um minuto, a quantidade de lactato acumulado não iria causar dificuldade, no entanto, em 2.000 metros os remadores têm que conseguir tolerar uma grande quantidade do ácido e continuar a remar durante toda a corrida. As equipas melhor treinadas podem tirar vantagem de estar à frente desde o início, doseando o esforço durante o resto da prova, para isso contribui também a posição dos atletas no barco que ao remarem para trás controlam os seus adversários na tentativa de os alcançar.
Após cerca de um minuto de prova até quase ao fim, a principal fonte de energia dos músculos é fornecida pelo metabolismo aeróbio, o glicogénio muscular é o combustível predominante juntamente com alguma gordura. Como está disponível oxigénio suficiente há uma produção mínima de ácido láctico.
Na parte final da regata aumente bastante o ritmo de prova com as tripulações a tentarem tudo por tudo para vencer a corrida, para a isso a máquina humana sintetiza toda a energia à sua disposição e soma as duas energias – aeróbia e anaeróbia – para conseguir disponibilizar aos músculos todo o alimento possível, volta então a ser produzido acido láctico e, se o empenho for levado ao limite, a ultima remada será o ultimo esforço que o atleta consegue realizar.    
O plano de treino tradicional no remo é um plano anual, dividido em três fases: preparatória, transição e específica. A fase de transição tem a duração de quatro semanas, a fase específica de 21 semanas e o restante é utilizado como fase de preparação. A fase específica é normalmente também dividida em duas, a fase de pré-competição e a competitiva com duração de 9 e 12 semanas, respectivamente.

“When one rows it is not the rowing which moves the ship: rowing is only a magical ceremony by means of which one compels a demon to move the ship.” -Nietzsche

 *Newton: Corresponde à força exercida sobre um corpo de massa igual a 1 kg que lhe induz uma aceleração na mesma direcção e sentido da força de 1 m/s²





Carlos Henriques