sexta-feira, 3 de julho de 2020

ENTREVISTA À REVISTA ANTREMO





  • Como e quando se deu o primeiro contacto com o Remo?
Em miúdo praticava futebol e atletismo mas nos meus passeios por Lisboa junto ao Tejo via uma embarcação todos os domingos de manhã a passear no rio, (mais tarde vim a saber que eram os Veteranos do CNL a quem depois chamámos a Brigada do Reumático porque tinham sempre um papel crítico e formativo sobre os mais jovens do clube e com os quais aprendi a relação certa a ter com o rio e com os procedimentos náuticos, devo-lhes muito) e disse para mim isto de andar de barco deve ser giro, fui à lista telefónica das páginas amarelas e verifiquei que o Clube Naval de Lisboa estava à distância de um Km de minha casa, fui lá e inscrevi-me. Comecei nas Escolas do Clube onde me formei como Remador, Timoneiro e Marinheiro (Vela) frequentávamos estes cursos e davam-nos uma apostilha que era colada no cartão de sócio. O Clube funcionava com muito amadorismo e os treinadores iam mudando amiúde e sem muita formação, como eu ia ao Clube todos os dias e como havia falta de pessoas a direcção convidou-me para ser o Monitor das Escolas. Assim que a FPR iniciou acções de Formação inscrevi-me e frequentei o Curso de Monitores e depois o de 3º Grau onde tive como prelectores o Sr. Fernando Estima e o Prof. Monge da Silva que me instituíram o bichinho do treino.
  • A atividade como treinador teve início em 1985, como foi o percurso desde aí?
Comecei como disse atrás no CNL onde leccionava as Escolas e depois com a contratação do José Nunes para Coordenador do Clube ao mesmo tempo que treinava também a ANL, fiquei como seu adjunto mas de facto era o coordenador efectivo do Clube treinando Iniciados, Juvenis, Juniores e Seniores e coordenando os Monitores das Escolas, o José Nunes estruturava de longe.
O CNL era um Clube muito ligado à prática da Manutenção e ensino do Remo, quando quis impulsionar a competição dado que já tínhamos ultrapassado em muito o Ferroviário no número de praticantes e estávamos a aproximarmo-nos da ANL tive desavenças com a Direcção do Remo sobre o rumo a tomar e fui dar aulas de Vela ainda no Clube Naval de Lisboa e iniciei a construção de um Iate de 7 metros em madeira com outros sócios do Clube.
Só que depois o José Nunes convidou-me para integrar a sua equipa técnica e mudei-me de armas e bagagens para a Associação Naval de Lisboa onde treinei todas as classes da ANL desde Escolas, Manutenção e Competição e onde aprendi tudo o que era bom e mau num clube extremamente competitivo e onde vencemos muitos títulos nacionais. Tive também a sorte de ir a Macon como treinador da Cristina Roque Lino onde ela venceu a Medalha de Prata e acompanhei o Double do Pedro Fernandes e Bernardo Cabral que também venceu a Medalha de Prata.
Fui rodando entre o CNL, a ANL, o CNOCA e o Ferroviário estes dois últimos apenas com uma passagem.  
  • Já treinou 4 clubes lisboetas com dimensões, ambições e condições muito díspares, houve grandes diferenças em termos de organização e cultura desportiva?
Posso dizer que sou a única pessoa que foi Campeã Nacional como atleta e treinador nos três principais clubes de Lisboa, ANL, CNL e CFP.
Como já tinha dito o CNL é um Clube com um passado glorioso, já foi o maior clube português com secções em muitas cidades mas que de vez em quando morre e tem que recomeçar tudo de novo o que não é saudável! Não sabe aproveitar os seus melhores membros e como tal definha muitas vezes infelizmente.
A Associação Naval de Lisboa é uma máquina desportiva e competitiva que de vez em quando abranda mas retoma seguidamente toda a sua força baseada num excelente número de sócios sempre disponíveis para o clube em qualquer função e trabalho. É uma bola de neve sempre em andamento, que aproveita muito bem a massa humana de Lisboa ligada ao remo mesmo que tivesse sido formada nos seus rivais.
O CNOCA é o Clube da Marinha de Guerra muito ligada à Vela na qual o Remo depende dos humores do Presidente em exercício gostar ou não da modalidade e assim cultivar esse gosto nos Cadetes da Escola Naval. Muito inconstante por isso.
O Clube Ferroviário de Portugal é um clube de empresa com muitas secções que normalmente funcionam na Sede em Santa Apolónia e que envia um Delegado para gerir a Secção de Remo que a maioria das vezes não percebe nada do nosso desporto e que dirige a Secção ditatorialmente sem ouvir os sócios da secção e alguns até se aproveitam do lugar para subir socialmente na empresa e no Clube mãe. Mas quando esse Delegado trabalha em equipa o Ferroviário oferece excelentes condições de trabalho e um bom material náutico, conseguindo excelentes resultados. Falta-lhe uma estrutura montada e um continuar do trabalho realizado, tem muitos altos e baixos.   

  • Para além de treinador, houve também oportunidade de estar envolvido noutros projectos ligados ao desporto, nomeadamente na fundação da ANTREMO. Como avalia a evolução da nossa associação?
Avalio muito bem ultimamente, o Albino soube rodear-se de excelentes colaboradores que têm vindo a oferecer com a sua liderança excelentes ferramentas aos treinadores de Remo.
  • Houve também oportunidade de integrar a Direção da FPR, do CNL e a Comissão Executiva do Comité Paralímpico. Que retrato faz dessas experiências como dirigente?
Fui convidado a primeira vez para direcção da FPR pelo Sr. Fernando Estima, o que me surpreendeu e a muita gente, dado que era apenas o treinador do Clube Naval de Lisboa. O objectivo era a Fundação da ANTREMO da qual nos saímos muito bem. Liderei também a formação da FPR onde fomos considerados pelo Instituto do Desporto como uma das melhores Federações nessa área juntamente com o Basket, as nossas propostas eram sempre acolhidas com a maior vivacidade pela tutela. Universalizámos a deslocação dos treinadores aos Simpósios da FISA, em vez de irem apenas os treinadores nacionais, que depois passavam obrigatoriamente aos seus colegas o que tinham apreendido numa reunião de treinadores em Coimbra.
Como Presidente do CNL percebi o funcionamento do mundo da política e consegui trazer o apoio das Juntas de Freguesia e da Câmara Municipal de Lisboa ao Clube sempre muito difícil pois existem milhares de clubes na Cidade tendo sido convidado inclusivamente para integrar a Assembleia de Freguesia onde o Clube Naval estava instalado. Apercebi-me como as Juntas de Freguesia são importantes para os seus cidadãos, nomeadamente os mais carenciados e idosos.
No Comité Paralímpico onde cheguei a Vice-presidente tive a honra de acompanhar como dirigente a nossa atleta Filomena Franco aos Jogos a Londres e perceber as dificuldades que os atletas com deficiência suportam para conseguir praticar desporto. É de facto espectacular a dedicação e a simpatia destes nossos colegas desportivos.  
  • O  blog Remo História tem contribuído muito para a divulgação da história da nossa modalidade. Como surgiu o interesse pelo tema e a ideia de fazer o blog?
Quando realizámos o Centenário da Taça Lisboa tive a ideia de convidar para o evento os descendentes dos fundadores do Clube Naval o que à partida poderia não acolher grande aceitação dado que essas pessoas em maioria já não estavam ligadas nem à modalidade nem ao Clube. Só que ao invés disso foi um grande êxito perguntavam se era possível levar mais um familiar e traziam fotos e documentos que tinham em casa e que não sabiam o que fazer deles, acabei por ter um acervo extraordinário e comecei a pensar que tinha que mostrar aos outros que o Remo era o desporto mais antigo e tradicional no nosso País, assim nasceu o Blog porque na altura era muito popular ser um Bloggee e era fácil de passar a mensagem.
  • É costume dizer-se que a história ajuda-nos a evitar erros do passado. Tem-se dado pouca atenção à história das náuticas e do Remo, em particular?
Sim porque se repararmos na história do Remo os ciclos têm-se sucedido e as direcções têm caído sempre em erros semelhantes, se por acaso soubessem a sua História talvez os pudessem evitar.
  • Olhando para o presente e perspectivando o futuro, o que falta fazer no Remo nacional e qual poderá ser o papel dos treinadores e da ANTREMO?
Se repararmos bem nas direcções dos Clubes (pelo menos em Lisboa) e da Federação os melhores dirigentes têm sido sempre aqueles que foram treinadores, porque conhecem muito bem a modalidade, as suas deficiências e necessidades assim como estamos habituados a socializar e a dirigir pessoas é sempre mais fácil para nós reunirmos as condições necessárias para a evolução do nosso desporto.
Quanto ao papel da ANTREMO é muito importante que a rivalidade clubística não venha ao de cima na Associação de Treinadores e que seja capaz de levar os Clubes e a Federação ao aumento do número de praticantes aproveitando também ex-atletas do nosso desporto que abraçaram o ensino da Educação Física nas escolas para protocolar com essas escolas o ensino e a prática do Remo onde estão inseridos. A proliferação do Remo Indoor na sociedade em geral e nos ginásios em particular acho que pode ser também uma fonte de recrutamento tão necessária já que somos tão poucos e não temos vindo a crescer sustentadamente!  
  • Para terminar, e uma vez que estamos a passar por um período que certamente ficará inscrito na história do desporto mundial, como sairá o Remo desta pandemia?
Vai ser muito difícil a recuperação total não só para o Remo como para toda a sociedade já que os nossos costumes terão que ser muito alterados e como os remadores são cada vez menos temos que nos unir de Norte a Sul e remarmos todos para o mesmo lado.
É importante perceber que o Remo, assim como qualquer desporto, tem que tratar bem as pessoas e incentivá-las com simpatia, premiando os mais valorosos seja qual for a sua função porque Atletas, Dirigentes, Treinadores, Árbitros, Condutores de lanchas, Voluntários, Familiares e Assistentes são todos necessários e não podemos dispensar nenhum, o Remo precisa de todos e quantos mais melhor!