sexta-feira, 8 de maio de 2020

A Mulher na Associação Naval de Lisboa

Artigo escrito para o Anuário de 2016 que depois não foi impresso:


No século XIX a dança começou por ser a único modo da mulher desenvolver alguma actividade física, sendo considerada um ser frágil devia haver uma supremacia das faculdades afectivas sobre as intelectuais  e uma sujeição da sexualidade a uma vocação maternal, por tudo isto a mulher no desporto está aliada à luta contra a discriminação e na base da conquista social. Nos anos 1800 a participação da mulher nas provas desportivas era vista como um divertimento, enfatizando-se a sua beleza e postura corporal mas não se dava importância à força, agilidade e destreza das atletas.
As mulheres já participavam nos Jogos Ingleses a partir de 1770 mas só nos Jogos Olímpicos de 2012 é que existiam praticantes femininos em todas as modalidades olímpicas! Para o Barão Pierre de Coubertin “Uma Olimpíada com mulheres seria impraticável, desinteressante, inestética e imprópria” e continua  “O único herói Olímpico real é o homem adulto individual. Por isso, nada de mulheres ou desportos de equipa” ou ainda “pessoalmente, não aprovo  a participação de mulheres em competições públicas, o que não significa que se devam abster de praticar um grande número de desportos, com a condição de não ser um espectáculo. O seu papel nos jogos olímpicos deveria ser, essencialmente, como nos antigos torneios, coroar os vencedores” . 
Em Portugal e em particular na Associação Naval de Lisboa a participação da mulher no Remo e na Vela é muito tardia. Nas primeiras regatas do Clube a mulher apenas oferecia os prémios para as provas, nomeadamente bordando as Bandeiras de Honra, a mais antiga das quais, para as Guigas, ainda existe e está em exposição na Sede do Clube. Sua Majestade a Rainha D. Maria Pia protectora do clube ofereceu, por diversas vezes Bandeiras de Honra, como prémio para as Regatas da Real Associação Naval. 
No norte do País temos conhecimento de regatas de Remo feminino mais cedo do que no sul, no Jornal do Porto de 29 de Agosto de 1863 lemos sobre uma regata “de barcos remados por mulheres de Avintes” que se realizou na Foz. Estas mulheres eram barqueiras (maganas) que faziam o transporte entre as duas margens do rio nesta localidade. Em Lisboa ou Cascais a primeira manifestação de Remo feminino que encontrámos foi no final do século XIX nas Regatas de Paço de Arcos, mais concretamente a 27 de Setembro de 1896 com “corridas de escaleres tripulados por senhoras”.
Contudo a Vela, em Lisboa, teve um renascer ligeiramente mais cedo com o primeiro Iate timonado por uma senhora a fazer  parte da regata organizada pelos nossos rivais –Real Clube Naval de Lisboa – em 1894, a autora dessa proeza foi a britânica Eleanor Bucknall, esposa do Comodoro daquele clube, mãe do Campeão Olímpico de Remo e vencedor da Boat Race Henry Bucknall,  que timonou a sua Canoa “Mavis” nas Regatas de Paço de Arcos. Apesar do facto, temos contudo conhecimento que a Rainha D. Amélia protectora da Real Associação Naval ia muitas vezes ao leme do seu Iate Lia em passeio.
No livro “150 anos de História” a primeira vez que temos qualquer informação sobre  Remo feminino é em 1983 e sobre os femininos na Vela apenas em 1984 somos informados que neste ano é construído um balneário exclusivamente para senhoras!
Pela minha ligação ao Remo e à ANL tenho conhecimento que nos anos oitenta do século passado várias mulheres representaram o clube e venceram diversos títulos nacionais. Nessa década a ANL sagrou-se campeã nacional  de Double-Skull feminino em1985, 1986 e 1987 tendo em 1985 repartido o título de campeão nacional de Shell de 4 com timoneiro feminino com o Clube Ferroviário de Portugal que segundo o relatório da FPR terminaram ex-áqueo nesse ano. Algumas das responsáveis destas  proezas que me recordo, com a preciosa ajuda do Luís Reis, foram a Ana Romão, Catarina Santos, Maria José Fonseca, Carla Querido, Ana Viegas, Leonor Rodrigues e a Alice.
Em 1988 nos relatórios da FPR entre muitos títulos masculinos temos a informação da vitória no Skiff Juvenil Feminino nos campeonatos nacionais.
Pretendia destacar a remadora Cristina Roque Lino que para mim foi a melhor atleta que representou a ANL em Remo. Queria sublinhar entre as várias vitórias desta atleta a medalha de Prata que venceu nas Regatas Internacionais de Macon de 1990 prova durante a qual tive o privilégio de a acompanhar como treinador. Participou ainda no ano seguinte no Campeonato do Mundo Júnior em Banyoles, Espanha. Com uma grande formação pessoal e desportiva não desmereceu quando, ainda muito jovem, foi desclassificada num Campeonato Nacional depois de vencer destacada a prova, devido a duas colegas numa embarcação terem gritado palavras de incentivo… eram as regras da altura, muito injustas. Apesar disso não desistiu e destacou-se representando sempre muito bem o clube e a selecção nacional.
Em 1992 na secção de Remo dos 75 atletas que representaram o Clube nos vários escalões apenas três eram femininos ( uma sénior, uma júnior e uma infantil). Ainda como treinador da Associação Naval de Lisboa quero realçar no I Campeonato Nacional de Ergómetro, em 1993,  a participação das atletas presentes na prova e que se destacaram, nomeadamente a Filipa Cabaça e a Elsa Rodrigues. Ainda nesse ano a Filipa subiu ao pódio no Campeonato Nacional de Fundo em Crestuma. No ano de 1995 mais duas pupilas minhas, a Inês e a Ana Margarida, representaram condignamente o clube e subiram ao pódio no Campeonato Nacional de Velocidade Shell.
Queria também lembrar a remadora Raquel Franca que além de atleta da ANL foi a primeira mulher a exercer como árbitro de Remo, actuando como Juíza em várias regatas do nosso Calendário de Provas.  
Nos anos 80 e 90 do século passado na Secção de Canoagem também praticaram desporto no Clube diversas atletas femininas que não tenho contudo resultados para apresentar, queria no entanto destacar um projecto meritório que poucos conhecem que foi assinado entre a ANL, a Secretaria de Estado do Ambiente e da Juventude  e a Universidade Lusíada coordenado pelo sócio José Félix da qual a nossa sócia, na altura, Ana Nunes fazia parte. O projecto propunha-se efectuar descidas de rio em canoas cedidas pela ANL , nas quais os estudantes dos cursos de Direito, Gestão,  e História daquela Universidade recolheram elementos sobre a situação dos rios portugueses e do meio ambiente circundante. O projecto foi amplamente difundido na imprensa nacional.
No início do século XXI o meu realce vai para a sócia Susana Lusquinhos que serviu o Clube de várias formas ora como funcionária da secretaria ora como atleta de competição, com vários títulos nacionais conquistados e ultimamente colabora com o clube como excelente treinadora onde inicia todos os dias diversos sócios na prática do Remo, graças à sua brilhante formação técnica e humana tornou-se num ícone incontornável da Associação Naval de Lisboa. No Remo de Lazer muitas são as atletas que várias vezes por semana mantêm a sua perfeita linha remando na nossa frota de Yolles, pois não é só em competição que se pratica este belo desporto. Ultimamente com a ajuda do Treinador José Leitão fizemos um apanhado dos mais recentes resultados do Remo Feminino no nosso clube e podemos afirmar que continuamos com uma boa prestação desportiva através das prestações das atletas Madalena Ferreira, Marta Sampaio, Catarina Vieira, Ana Santos e Maria Felício. Na Taça de Portugal de 2014 Madalena Ferreira e Ana Santos conquistaram o segundo lugar em double-skull e nos Campeonatos Nacionais Catarina Vieira, Marta Monteiro, Ana Santos e Madalena Ferreira conquistaram o terceiro lugar no Quadri-skull.
Em 2015 foram Campeãs Nacionais de Yolle 4 as atletas Ana Santos / Madalena Ferreira / Rita Pape / Catarina Vieira e no Campeonato Nacional de Fundo em Quadri.skull  estas atletas conseguiram o pódio. Nos Campeonatos Nacionais a Madalena Ferreira csubiu também ao pódio na prova de Skiff.
Neste ano de 2016 temos já conquistado o título de Campeãs Nacionais de Yolle 4 com as atletas Ana Santos / Catarina Vieira / Marta Sampaio / Maria Felício.
Divagando agora pela secção de Vela gostaria de começar por destacar em 1993 a dupla Teresa e Rita Borges Coutinho que foram Campeãs Nacionais de “420” e representaram Portugal no Mundial da Classe em Itália. Durante a época de 1995 a velejadora Margarida Aguiar sagrou-se Campeã Nacional da Classe “Europe”.  Em 1997 e 1998 Inês Nolasco e Mafalda Barros sagraram-se bicampeãs nacionais da classe 420 Júnior. No ano seguinte Rita Gonçalves e Rita Guerra venceram o mesmo Campeonato Júnior de 420.
No ano do Milénio Marta Lobato venceu o Campeonato Nacional da Classe “Europe e em 2004 a ANL sagrou-se Campeã Nacional de Match Racing Feminino com a equipa composta por Margarida Aguiar, Sara Telhada, Mafalda Barros, Inês Gamito e Diana Neves.
Em 2005 a dupla campeã nacional júnior da classe “420” Rita Rocha e Mariana Lobato representaram Portugal no Mundial da Juventude ISAF que se disputou na Coreia.
Em 2007 a equipa de Match Racing liderada pela atleta Rita Gonçalves e composta por Ana Champalimaud, Mariana Lobato, Ingrid Fortunato e Catarina Costa sagrou-se Campeã Nacional. Ainda a equipa feminina de Match Racing agora patrocinada pela Schroders e com uma equipa base composta por Leme Rita Gonçalves, Trimmer Mariana Lobato, Trimmer Ana Champalimaud, Trimmer Ingrid Fortunato, Trimmer Catarina Costa e Proa Diana Neves, participou no Campeonato Europeu de Match Racing Feminino realizado em St. Quay, França, nos dias 9 a 13 de Setembro de 2008. A participação portuguesa nesta prova coube então à equipa liderada por Rita Gonçalves, velejadora da Associação Naval de Lisboa, e foi constituída por Marta Lobato, Ingrid Fortunato e Mariana Lobato. Esta equipa que teve uma excelente performance em 2007, campeã nacional, em 2008 sagrando-se bi-campeã nacional feminina e alcançando ainda  o 3º lugar do ranking nacional absoluto. Neste mesmo ano participou ainda no ISAF Nations Cup. Em 2009 foi o tricampeonato nacional, as velejadoras que participaram nesse ano foram a Rita Gonçalves ao Leme,  Ingrid Fortunato no Trimmer genoa, Catarina Costa no Trimmer spi e Diana Neves a proa, estiveram também presentes no Campeonato Europeu e na Grand Final da ISAF Nations Cup. Em 2010 para além do Tetra-campeonato de Portugal de Match Racing participaram no Mundial com uma equipa formada pelas velejadoras Rita Goncalves ao Leme, Mariana Lobato em Trimmer Vela Grande/Spi, Ingrid Fortunato no Trimmer estai e Diana Neves a proa, participaram além disso no Campeonato Ibero-americano onde alcançaram um honroso terceiro lugar conquistaram ainda o quinto lugar no Europeu da Classe.
De salientar que a base desta equipa esteve presente nos Jogos Olímpicos de Londres porém nesta altura já não representavam a Associação Naval de Lisboa!!!
Para honrar o desporto feminino e Sua Majestade a Associação Naval de Lisboa instituiu em 2004 o Troféu Rainha D. Amélia, perpétuo com uma prova  aberta a barcos de Cruzeiro que durante a regata sejam governados por Timoneiras. A prova tornou-se já um destaque no Calendário da Vela e S.A.R. a Senhora D. Isabel de Bragança sensibilizou-se com o projecto e na segunda edição da prova distribuiu os prémios às vencedoras.