ENTREVISTA À REVISTA ANTREMO
- Como e
quando se deu o primeiro contacto com o Remo?
Em miúdo praticava futebol e atletismo
mas nos meus passeios por Lisboa junto ao Tejo via uma embarcação todos os
domingos de manhã a passear no rio, (mais tarde vim a saber que eram os
Veteranos do CNL a quem depois chamámos a Brigada do Reumático porque tinham sempre
um papel crítico e formativo sobre os mais jovens do clube e com os quais
aprendi a relação certa a ter com o rio e com os procedimentos náuticos,
devo-lhes muito) e disse para mim isto de andar de barco deve ser giro, fui à
lista telefónica das páginas amarelas e verifiquei que o Clube Naval de Lisboa
estava à distância de um Km de minha casa, fui lá e inscrevi-me. Comecei nas Escolas do Clube onde me formei como
Remador, Timoneiro e Marinheiro (Vela) frequentávamos estes cursos e davam-nos
uma apostilha que era colada no cartão de sócio. O Clube funcionava com muito
amadorismo e os treinadores iam mudando amiúde e sem muita formação, como eu ia
ao Clube todos os dias e como havia falta de pessoas a direcção convidou-me para
ser o Monitor das Escolas. Assim que a FPR iniciou acções de Formação inscrevi-me
e frequentei o Curso de Monitores e depois o de 3º Grau onde tive como
prelectores o Sr. Fernando Estima e o Prof. Monge da Silva que me instituíram o
bichinho do treino.
- A
atividade como treinador teve início em 1985, como foi o percurso desde
aí?
Comecei como disse atrás no CNL onde
leccionava as Escolas e depois com a contratação do José Nunes para Coordenador
do Clube ao mesmo tempo que treinava também a ANL, fiquei como seu adjunto mas
de facto era o coordenador efectivo do Clube treinando Iniciados, Juvenis,
Juniores e Seniores e coordenando os Monitores das Escolas, o José Nunes estruturava
de longe.
O CNL era um Clube muito ligado à
prática da Manutenção e ensino do Remo, quando quis impulsionar a competição
dado que já tínhamos ultrapassado em muito o Ferroviário no número de
praticantes e estávamos a aproximarmo-nos da ANL tive desavenças com a Direcção
do Remo sobre o rumo a tomar e fui dar aulas de Vela ainda no Clube Naval de
Lisboa e iniciei a construção de um Iate de 7 metros em madeira com outros
sócios do Clube.
Só que depois o José Nunes convidou-me
para integrar a sua equipa técnica e mudei-me de armas e bagagens para a Associação
Naval de Lisboa onde treinei todas as classes da ANL desde Escolas, Manutenção
e Competição e onde aprendi tudo o que era bom e mau num clube extremamente
competitivo e onde vencemos muitos títulos nacionais. Tive também a sorte de ir
a Macon como treinador da Cristina Roque Lino onde ela venceu a Medalha de
Prata e acompanhei o Double do Pedro Fernandes e Bernardo Cabral que também
venceu a Medalha de Prata.
Fui rodando entre o CNL, a ANL, o CNOCA
e o Ferroviário estes dois últimos apenas com uma passagem.
- Já
treinou 4 clubes lisboetas com dimensões, ambições e condições muito
díspares, houve grandes diferenças em termos de organização e cultura
desportiva?
Posso dizer que sou a única pessoa que
foi Campeã Nacional como atleta e treinador nos três principais clubes de
Lisboa, ANL, CNL e CFP.
Como já tinha dito o CNL é um Clube com
um passado glorioso, já foi o maior clube português com secções em muitas
cidades mas que de vez em quando morre e tem que recomeçar tudo de novo o que
não é saudável! Não sabe aproveitar os seus melhores membros e como tal definha
muitas vezes infelizmente.
A Associação Naval de Lisboa é uma
máquina desportiva e competitiva que de vez em quando abranda mas retoma
seguidamente toda a sua força baseada num excelente número de sócios sempre
disponíveis para o clube em qualquer função e trabalho. É uma bola de neve
sempre em andamento, que aproveita muito bem a massa humana de Lisboa ligada ao
remo mesmo que tivesse sido formada nos seus rivais.
O CNOCA é o Clube da Marinha de Guerra
muito ligada à Vela na qual o Remo depende dos humores do Presidente em
exercício gostar ou não da modalidade e assim cultivar esse gosto nos Cadetes
da Escola Naval. Muito inconstante por isso.
O Clube Ferroviário de Portugal é um
clube de empresa com muitas secções que normalmente funcionam na Sede em Santa
Apolónia e que envia um Delegado para gerir a Secção de Remo que a maioria das
vezes não percebe nada do nosso desporto e que dirige a Secção ditatorialmente
sem ouvir os sócios da secção e alguns até se aproveitam do lugar para subir
socialmente na empresa e no Clube mãe. Mas quando esse Delegado trabalha em
equipa o Ferroviário oferece excelentes condições de trabalho e um bom material
náutico, conseguindo excelentes resultados. Falta-lhe uma estrutura montada e
um continuar do trabalho realizado, tem muitos altos e baixos.
- Para
além de treinador, houve também oportunidade de estar envolvido noutros
projectos ligados ao desporto, nomeadamente na fundação da ANTREMO. Como
avalia a evolução da nossa associação?
Avalio muito bem ultimamente, o Albino
soube rodear-se de excelentes colaboradores que têm vindo a oferecer com a sua
liderança excelentes ferramentas aos treinadores de Remo.
- Houve
também oportunidade de integrar a Direção da FPR, do CNL e a Comissão
Executiva do Comité Paralímpico. Que retrato faz dessas experiências como
dirigente?
Fui convidado a primeira vez para
direcção da FPR pelo Sr. Fernando Estima, o que me surpreendeu e a muita gente,
dado que era apenas o treinador do Clube Naval de Lisboa. O objectivo era a
Fundação da ANTREMO da qual nos saímos muito bem. Liderei também a formação da
FPR onde fomos considerados pelo Instituto do Desporto como uma das melhores
Federações nessa área juntamente com o Basket, as nossas propostas eram sempre
acolhidas com a maior vivacidade pela tutela. Universalizámos a deslocação dos
treinadores aos Simpósios da FISA, em vez de irem apenas os treinadores
nacionais, que depois passavam obrigatoriamente aos seus colegas o que tinham
apreendido numa reunião de treinadores em Coimbra.
Como Presidente do CNL percebi o funcionamento
do mundo da política e consegui trazer o apoio das Juntas de Freguesia e da
Câmara Municipal de Lisboa ao Clube sempre muito difícil pois existem milhares
de clubes na Cidade tendo sido convidado inclusivamente para integrar a Assembleia
de Freguesia onde o Clube Naval estava instalado. Apercebi-me como as Juntas de
Freguesia são importantes para os seus cidadãos, nomeadamente os mais
carenciados e idosos.
No Comité Paralímpico onde cheguei a Vice-presidente
tive a honra de acompanhar como dirigente a nossa atleta Filomena Franco aos
Jogos a Londres e perceber as dificuldades que os atletas com deficiência
suportam para conseguir praticar desporto. É de facto espectacular a dedicação
e a simpatia destes nossos colegas desportivos.
- O
blog Remo História tem contribuído muito para a divulgação da
história da nossa modalidade. Como surgiu o interesse pelo tema e a ideia
de fazer o blog?
Quando realizámos o Centenário da Taça
Lisboa tive a ideia de convidar para o evento os descendentes dos fundadores do
Clube Naval o que à partida poderia não acolher grande aceitação dado que essas
pessoas em maioria já não estavam ligadas nem à modalidade nem ao Clube. Só que
ao invés disso foi um grande êxito perguntavam se era possível levar mais um
familiar e traziam fotos e documentos que tinham em casa e que não sabiam o que
fazer deles, acabei por ter um acervo extraordinário e comecei a pensar que
tinha que mostrar aos outros que o Remo era o desporto mais antigo e
tradicional no nosso País, assim nasceu o Blog porque na altura era muito
popular ser um Bloggee e era fácil de passar a mensagem.
- É
costume dizer-se que a história ajuda-nos a evitar erros do passado.
Tem-se dado pouca atenção à história das náuticas e do Remo, em
particular?
Sim porque se repararmos na história do
Remo os ciclos têm-se sucedido e as direcções têm caído sempre em erros
semelhantes, se por acaso soubessem a sua História talvez os pudessem evitar.
- Olhando
para o presente e perspectivando o futuro, o que falta fazer no Remo
nacional e qual poderá ser o papel dos treinadores e da ANTREMO?
Se repararmos bem nas direcções dos
Clubes (pelo menos em Lisboa) e da Federação os melhores dirigentes têm sido
sempre aqueles que foram treinadores, porque conhecem muito bem a modalidade,
as suas deficiências e necessidades assim como estamos habituados a socializar
e a dirigir pessoas é sempre mais fácil para nós reunirmos as condições
necessárias para a evolução do nosso desporto.
Quanto ao papel da ANTREMO é muito
importante que a rivalidade clubística não venha ao de cima na Associação de Treinadores
e que seja capaz de levar os Clubes e a Federação ao aumento do número de
praticantes aproveitando também ex-atletas do nosso desporto que abraçaram o
ensino da Educação Física nas escolas para protocolar com essas escolas o
ensino e a prática do Remo onde estão inseridos. A proliferação do Remo Indoor
na sociedade em geral e nos ginásios em particular acho que pode ser também uma
fonte de recrutamento tão necessária já que somos tão poucos e não temos vindo
a crescer sustentadamente!
- Para
terminar, e uma vez que estamos a passar por um período que certamente
ficará inscrito na história do desporto mundial, como sairá o Remo desta
pandemia?
Vai ser muito difícil a recuperação
total não só para o Remo como para toda a sociedade já que os nossos costumes
terão que ser muito alterados e como os remadores são cada vez menos temos que
nos unir de Norte a Sul e remarmos todos para o mesmo lado.
É importante perceber que o Remo, assim
como qualquer desporto, tem que tratar bem as pessoas e incentivá-las com
simpatia, premiando os mais valorosos seja qual for a sua função porque
Atletas, Dirigentes, Treinadores, Árbitros, Condutores de lanchas, Voluntários,
Familiares e Assistentes são todos necessários e não podemos dispensar nenhum,
o Remo precisa de todos e quantos mais melhor!
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