A MONARQUIA E OS DESPORTOS NÁUTICOS
O Remo e a Vela constituíram desde sempre, os passatempos de eleição dos monarcas portugueses como nos conta o Almirante Celestino Soares nos seus Quadros Navais:
Referindo-se a João da Bemposta, filho do infante D. Francisco, Duque de Beja e sobrinho de El Rei D. João V “…– Este filho do infante era muito dado às cousas do mar, como seu pai, que andava constantemente pelo rio no seu iate, acompanhando os navios de guerra que entravam e saiam; mas não era só ele que mostrava gosto pela marinha, era El Rei, que subia a bordo dos navios, era a Rainha, que os ia ver a sair a barra e na falta destes espectáculos divertia-se a passear pelo Tejo nos bergantins reais, seguidos de faluas com atabales, trompas, rebecas e outros instrumentos…”
E mais à frente:
“… Para se fazer idea deste interesse e quasi paixão pelas cousas do mar vamos resumir os avisos que as gazetas fizeram das viagens de Suas Majestades pelo rio, preferindo o transito por agua de Belém à Madre de Deus, a Caxias, e outros pontos, ao transporte por terra; …”
Ainda nos quadros navais Celestino Soares escreve que tanto D. João V como D. José, as suas Rainhas, os príncipes e princesas seus filhos, costumavam assistir ao “caimento” dos navios que eram lançados ao mar depois de construídos e que para se deslocarem do Terreiro do Paço a Belém preferiam os Bergantins aos Coches Reais.
A GÉNESE DA VELA E DO REMO DESPORTIVO EM PORTUGAL
A origem do Remo como prática desportiva em Portugal, terá tido o seu início no princípio do século XIX.
Até essa data, o seu exercício estava reservado aos profissionais, sendo contudo conhecidas disputas entre embarcações de transporte de passageiros e entre as guarnições dos navios da Armada Real, as quais despertavam o interesse de multidões que afluíam às margens e aplaudiam com entusiasmo.
A prática do Remo em Portugal, enquanto desporto organizado, terá começado em 1828 com a fundação do Arrow Club por Abel Power Dagge, os irmãos Pinto Basto e alguns elementos da colónia britânica residente na metrópole, segundo documentos inéditos que nos foram recentemente facultados pela família Dagge.
Do referido acervo documental constavam as actas de fundação de várias associações náuticas, a sua correspondência e deliberações das Assembleias Gerais, assim como memórias de Abel Power Dagge, membro fundador da Real Associação Naval e do Clube Naval de Lisboa, quiçá o primeiro desportista náutico a existir em Portugal.
Segundo José Pontes, no seu livro “Quasi um século de desporto”, a primeira regata de desportistas amadores oficialmente realizada em Portugal foi de Remo, corria o ano de 1849, promovida por Abel Power Dagge. Logo no ano seguinte, em 1850, este inglês de barbas compridas, coadjuvado por Edward Shirley, Alex Hudson e Alex Hangcock, aproveitaram a estadia da nau britânica Vixen no Tejo para organizar a Primeira Carreira de Barcos à Vela, tendo participado cinco veleiros todos pertencentes aos ingleses.
São célebres, pelo menos a partir de 1852, por ocasião dos festejos anuais de Paço de Arcos, as Regatas em barcos à vela e a remos, promovidas pelo Conde das Alcáçovas e por um grupo de aristocratas, alguns deles ligados à Casa Real, e por elementos da colónia inglesa, nomeadamente os que haviam organizado as regatas dois anos antes. A regata de 1853, foi presidida pelo infante D. Luiz que se fez conduzir a bordo do vapor da Marinha Portuguesa Conde de Tojal. Aproveitando a estadia do barco de guerra inglês Odin, fundeado na Baia de Paço Arcos, realizou-se uma corrida de remos entre marinheiros portugueses e ingleses. Do programa de 1854, em complemento às Regatas de Vela, constava a participação de duas guigas de 4 remos, tripuladas por “curiosos”.
Na sequência destes eventos, foi fundada em 1855 a Real Associação Naval, a mais antiga agremiação desportiva da Península Ibérica e uma das mais antigas do mundo.
D. Luís, pai de D. Carlos, um apaixonado pelo mar, foi destinado por sua mãe à carreira na Armada, tendo comandado o brigue Pedro Nunes e a corveta Bartolomeu Dias. Por morte do seu irmão D. Pedro V, sem descendente, herdou então o reino de Portugal. Ainda como Duque do Porto, presidiu à Reunião no Hotel Bragança que serviu de fundação à Real Associação Naval, tendo inclusive, proposto este nome em vez de Real Yacht Club.
Na Regata do Tejo em 1854 e depois, na primeira prova organizada pela Real Associação Naval, em1856, o Rei D. Pedro V ofereceu um troféu em prata. Por mera curiosidade, ambas as competições foram vencidas pela mesma pessoa – Frederico Burnay – O barco vitorioso na primeira regata chamava-se Etoile du Nord e na segunda tinha o nome O Mesmo – efectivamente tratava-se da mesma embarcação, que tinha sido serrada ao meio pelo dono da Parceria dos Vapores Lisbonenses no seu estaleiro, devido ao facto do seu sócio A. I. G. Netto, depois de uma noite bem bebida, ter solicitado a Frederico Burnay o fim da sociedade e a consequente divisão em dois da embarcação. No dia seguinte o português, de origem belga, um desportista de eleição e como tal um grande gentleman, levou o seu amigo à Parceria e questionou-o sobre qual era a parte que ele desejava da embarcação que fora dividida ao meio. Não se lembrando das palavras ditas na noite anterior e pedindo desculpas ao seu amigo, solicitou a reparação do veleiro que depois de pronto foi rebaptizado de O Mesmo.
Em 28 de Agosto de 1856, aquela associação organizou uma regata em Paço de Arcos que constitui a primeira competição regulamentada, organizada por um clube náutico.
A regata da RAN de 1858 contou com a participação do iate Veloz, propriedade de D. Luíz, à época Comodoro daquela associação.
A referida embarcação fora construída com base no modelo do Iate Prenda, um barco que havia recebido como oferta de J Garland, Abel Power Dagge e Simão Aranha, uma cópia, mais pequena é certo, do Iate América que tinha aportado em Lisboa. Alguns anos mais tarde, em 1876, já Rei de Portugal, mandou construir, no Telheiro das Galeotas Reais, o Iate Sirius, embarcação que ficou com o epíteto do mais português de todos os iates, dado que desde a sua concepção até à obra-prima tudo era nacional. Este veleiro pode ser ainda admirado no Museu de Marinha.
Por intermédio da Real Associação Naval, através dos seus ilustres fundadores Abel Power Dagge e o Conde das Alcáçovas, muito ligado à família real, inicia-se o desporto amador em Portugal, motivado pelo notável incremento dos desportos náuticos, nomeadamente da prática do Remo e da Vela. Só mais tarde chegaram a Ginástica, o Ténis, o Ciclismo e o Futebol.
O interesse despertado pelo «divertimento das regatas», associado ao “gosto e predilecção” da Família Real pelos passeios a remos no Tejo, deram lugar em 1861, à formação de dois grupos de remadores. Abel Power Dagge, um dos fundadores da Real Associação Naval e, mais tarde, também fundador do Club Naval de Lisboa, fazia parte de uma das tripulações. Estes dois grupos de amadores remavam também em guigas de 8 remos, construídas propositadamente para esse fim pelos construtores Luís Silvério de Faria e I. C. Dangebau, que se denominavam respectivamente Lusitânia e Germânia. A guiga Lusitânia, construída em 1862, tinha 42 pés de comprimento e 6 de largura, tendo custado 201,600 reis. Segundo os nossos registos, esta guiga deverá ter sido a primeira embarcação desportiva de remo construída em Portugal e por um mestre português.
Destes acalorados desafios resulta a fundação, em Lisboa, do Tagus Rowing Club e do Club dos Remeiros Lusitano, dois dos primeiros clubes de remo instituídos em Portugal.
Alguns anos mais tarde, a 18 Novembro de 1891, foi instituído o Club Naval de Lisboa, contando-se entre os seus fundadores, os antigos sócios do entretanto extinto Rowing Club.
Com a introdução, em1878, dos primeiros outriggers de 4 remos, o desporto náutico entra num período de notável incremento, manifestado pelo aparecimento de novas agremiações, no aumento de sócios e na realização de certames náuticos promovidos por estas colectividades, sendo exemplo disso, as regatas de Paço de Arcos e, mais tarde, as regatas de Cascais e as regatas ao longo da muralha da Junqueira.
D. CARLOS, REI DESPORTISTA – SEU CONTRIBUTO NO INCREMENTO DOS DESPORTOS NAUTICOS
A VELA E O REMO
A 28 de Setembro de 1863 nasceu no extinto Município de Belém, no Palácio da Ajuda, D. Carlos de Bragança futuro Rei de Portugal, cientista, diplomata, desportista e um grande Soberano.
Herdou, certamente, de seu pai o gosto pelo mar e pelas coisas náuticas e desde muito cedo mostrou apetência pelo desporto e pelas artes. Excelente pintor, podemos admirar os seus belos desenhos de barcos e das regatas da Real Associação Naval o qual em pequenos blocos de apontamentos desenhava as embarcações que disputavam as provas de Vela e Remo.
Relativamente ao seu primeiro iate, uma oferta de D. Luiz, baptizou-o de Nautilus, demonstrando provavelmente, a sua admiração pela obra de Júlio Verne “As Vinte Mil Léguas Submarinas”. O palhabote Nautilus, construído em 1880, no mesmo local do Sirius, foi uma embarcação memorável servindo, anos mais tarde, de escola a muitos amadores da Vela no Clube dos Aspirantes de Marinha e como escola de Vela no Clube Naval de Lisboa, a quem tinha sido entregue pela Marinha Portuguesa depois do bárbaro assassinato do seu Comodoro.
Em virtude da sua pequena dimensão e apesar de ter alcançado algumas vitórias, nomeadamente, em 29 de Junho de 1885, contra o Yawl Vega, o Nautilus foi relegado para a segunda classe, sendo substituído pelo Aura, um Yawl de 40 toneladas que venceu as regatas de Cascais de 1887 e 1888. Mais tarde D. Carlos adquiriu também o Corsair e o Viking.
Na regata da Real Associação Naval de 1889, o Alvor de João António Pinto venceu o Aura de D. Carlos e o Mina de Hermann Moser, tendo D. Carlos oferecido um sextante como prémio. Em 1890, a Real Associação Naval voltou a organizar outra regata em Cascais tendo sido vencedor o Aura do seu Comodoro.
A 1 de Outubro de 1893, já depois da fundação do Clube Naval, a Real Associação Naval organizou uma regata em Cascais na qual competiram o Lia que D. Carlos adquirira nesse ano em Inglaterra, que chegou em primeiro na regata mas devido ao abono que recebia, o Helena de Guilherme Lane foi considerado vencedor. Participaram ainda o Aura, agora propriedade de D. Afonso, o Orion de Dinis de Abreu, o Vega de João Bregaro, o Alda de Ruy D´Orey e o Mina do velho Hermann Moser, que velejava ao leme apesar dos seus provectos 90 anos.
A primeira Corinthian Race (prova em que os timoneiros das embarcações são amadores) realizada em Portugal teve lugar a 8 de Outubro de 1893, na qual participaram D. Carlos ao leme do Lia, José Ribeiro da Cunha timonando o Vega, Guilherme Lane a comandar o seu Helena e ainda o Mina que tinha a dirigi-lo Carlos Schelmick. A prova efectuou-se na Baía de Cascais num triângulo entre Cascais, S. João do Estoril e a Cabeça do Pato, sensivelmente a 3,5 milhas do Bugio. D. Carlos chegou primeiro à meta mas como o Vega recebia abono do Lia foi considerado o vencedor.
No Centenário de Santo António, a 29 de Junho de 1895, foi organizada uma Regata Internacional de Vela na tentativa de promoção da cidade de Lisboa, tendo sido enviado convite aos principais clube náuticos europeus, convidando-os a inscrever as suas embarcações na prova. Para tal, os prémios eram superiores ao habitual, mas do estrangeiro apenas o cutter Rebelle do Marquês de Torcy se apresentou na Regata contra o Aura e o Lia que foi o vencedor, tendo contudo D. Carlos oferecido o seu prémio ao segundo classificado. Nas provas de remo venceu a Ophélia de D. Carlos, com uma tripulação de sócios Real Clube Naval vencendo sete medalhas de Ouro, uma delas faz ainda parte do espólio do Clube Naval de Lisboa.
Em 1896, D. Carlos e D. Amélia passearam-se num escaler de 8 remos durante a Regata de Cascais organizada pela Real Associação Naval na qual competiram nove provas de Remo e seis de Vela. Aquela regata, destacou-se pela grande adesão do público que acorreu à margem para assistir àquele que foi um dos maiores eventos desportivos realizados em Portugal. Nesse dia a vila recebeu seis mil visitantes.
A par da presença em certames náuticos o Rei D. Carlos dedicou muito do seu tempo à ciência nomeadamente à Oceanografia estudando a costa de Portugal. As suas campanhas oceanográficas no Iate Amélia desenvolveram-se entre 1896 e 1907.
No âmbito das comemorações do quarto Centenário da descoberta do caminho marítimo para a Índia, El Rei D. Carlos patrocinou vários eventos desportivos e culturais nos quais se incluíam provas de Remo e Vela, tendo talvez sido o expoente máximo do reinado de D. Carlos a nível desportivo. O Rei encarregou a Sociedade de Geografia de Lisboa de encomendar à Casa Leitão e Irmão a concepção de uma obra de arte, destinada a um prémio perpétuo para regatas internacionais de Vela: a emblemática Taça Vasco da Gama.
Foram realizadas quatro edições da Taça tendo, após a morte do monarca, ficado guardada no Clube Naval de Lisboa como que a saudar o seu instituidor.
Na primeira edição da prova, em 1898, organizada em Cascais pela Real Associação Naval, a pedido da Sociedade de Geografia, o Lia de D. Carlos competiu contra o Ketch Caridad de Lord Dunraven, num percurso de quatro balizas colocadas em Cascais, Ponta de Rana, Cabeça do Pato e Oitavos. A vitória pertenceu ao barco do Royal Yacht Squadron com um grande avanço em virtude de, na tentativa de vencer, o iate português ter içado todo o pano, do que resultou a perda do mastaréu do traquete, logo no início da corrida e, ao rondar a primeira bóia, ter ficado sem o mastaréu da vela grande, invalidando qualquer hipótese de vencer a regata.
Ainda integradas nas comemorações realizaram-se mais 3 regatas de Vela em Paço de Arcos, com prémios monetários e medalhas de prata.
Nas provas de Remo em Lisboa, saíram vencedoras entre outras a guiga Alice, da Real Associação Naval com sete Medalhas de ouro, a guiga Ophelia de D. Carlos, correndo com sócios do Real Clube Naval com sete medalhas de Vermeil, o outrigger Sado do Clube dos Aspirantes de Marinha e, em Skiff, venceu uma medalha de ouro o Sr. Augusto Seixas no Paulo. Nas provas de Escaleres venceram as embarcações de dois barcos ingleses e um alemão, tendo como premio dez libras esterlinas e medalhas de cobre.
Realizaram-se ainda corridas de Ciclismo para Amadores e Profissionais, Singulares e em Tandem com vitorias de Mário Duarte e Sebastião Herédia, um Concurso de Tiro e diversos eventos culturais nomeadamente um “Concurso para um drama histórico comemorativo”, “Concurso para um quadro histórico comemorativo”, “Concurso para um projecto de habitações económicas (Lisboa, Porto e Covilhã)”, “Concurso para um projecto de escultura monumental comemorativa” e finalmente um “Concurso para decorações”. Realizaram-se ainda edições filatélicas e numismáticas destas comemorações.
A segunda edição da Taça Vasco da Gama foi novamente realizada em 1901 pela Real Associação Naval, a pedido do clube inglês que era o seu detentor, demonstrando o seu prestigio e a sua qualidade organizativa mesmo fora do nosso país, saindo vencedor o Yawl Leander de Rupert Guiness que derrotou o Lia de D. Carlos e o Tágide de António Medeiros.
A terceira edição da prova, em 1904, foi realizada pela Liga Naval, que havia sido fundada em 1902.
(Nessa altura a recém criada Liga Naval tentou a fusão do Real Club Naval e da Real Associação Naval com o apoio de Vasconcellos Thompson, tendo-se efectivamente formado duas comissões dos clubes para estudar o assunto, não tendo contudo a proposta de união ido avante).
Mais uma vez o Lia de Sua Majestade se inscreveu nesta prova, tendo o Dinorah, do Conde de Castro Guimarães, Contra-Comodoro do Real Clube Naval como competidor. Numa edição totalmente nacional, Charles Bleck ao leme do Dinorah, venceu a Taça para o Real Club Naval.
1907 foi o ano da quarta e ultima edição da Taça Vasco da Gama desta feita ganha por D. Carlos, Comodoro do Real Club Naval que manteve a Taça no clube organizador, correndo no Maris Stella, um barco que o Rei tinha adquirido em 1901.
Para comemorar os aniversários do Rei D. Carlos e da Rainha Dª Amélia, o Real Club Naval de Lisboa decide realizar as Regatas de Cascais em 29 de Setembro de 1901, a que se seguiram nos anos seguintes, na mesma data, regatas idênticas que se celebrizaram pelo seu esplendor. Podemos ler no Livro de actas da Comissão de Regatas do Real Club Naval de Lisboa que nesta regata existiram provas disputadas por senhoras da sociedade constituindo, provavelmente, uma das primeiras manifestações de desporto feminino em Portugal.
Nas provas de Remo, a que suscitava mais interesse era a regata entre as guigas de seis remos pertencentes ao Rei e à Rainha D. Maria Pia (que assistia às regatas a bordo do seu caíque Sirius) as quais competiam entre si, respectivamente a Ophelia e a Vega, sendo esta ultima normalmente timonada pelo Infante D. Afonso. Os remadores eram quase sempre sócios da Real Associação e do Real Club Naval, sendo os prémios distribuídos nas instalações do Sporting Clube de Cascais.
Entre 1901 e 1905, o Real Club Naval organizou regatas em Cascais, contando sempre com a assistência de Sua Majestade o Rei D. Carlos, a bordo do Iate Lia ou do Amélia, eventos amplamente divulgados na imprensa da época, nomeadamente no Jornal “O Sport” de 21/07/1902:
- “ (...) A natureza, querendo hontem galardoar os esforços de um punhado de rapazes que n´esta terra ainda se interessam pelo sport náutico, vestiu-se de gala e deu-lhes tudo o que era necessário para esse fim: vento fresco para as corridas de vela; brisa suave para os espectadores encalmados; lux difusa para os amadores photograficos – que eram bastantes, – e mar de leite para as regatas de remos. Isto posto, vamos ao resultado d´essa bela festa. Sua Magestade El-Rei assistiu a toda a regata, de bordo do Iate Lya, pertencente a sua augusta esposa. O lindo barco arvorava o distinctivo do Real Club Naval de Lisboa. (...)”.
Também em 1902, por iniciativa de Charles Bleck, importaram-se de Inglaterra barcos de uma nova classe de racers, os Bulb-Keels. Mediam 7 metros e eram “uns barquinhos muito bonitos e velozes”, lia-se na edição de 22 de Setembro de 1902 do DN. Vieram o Geisha para o Conde de Castro Guimarães, o Náiade para Charles Bleck, o Laura para José Libanio Ribeiro da Silva e o Nadedja para El Rei D. Carlos.
Efectuaram-se várias regatas nas quais devido à equivalência das embarcações e ao sistema de marcação de pontos em que se somavam as diversas corridas, a destreza do timoneiro se destacava. Acresce que as velas eram numeradas, facto que provocava grande efeito no público que seguia as regatas com grande entusiasmo.
Efectuaram-se corridas a 13 e a 29 de Junho, a 25 de Julho e a 24 de Agosto. Na última regata, realizada a 21 de Setembro, em Cascais, o Nadedja de D. Carlos foi declarado o vencedor, tendo como prémio uma concha de prata, oferta da rainha D. Maria Pia, igualmente aficionada dos desportos náuticos. O conde de Castro Guimarães ofereceu também um barómetro aneróide como prémio. Nos anos seguintes realizaram-se mais regatas desta classe e a maioria das vezes o barco de D. Carlos era o vencedor.
Ainda no ano de 1902, um dos mais profícuos em disputas náuticas, a Comissão de Regatas de Leixões, dirigida por Alberto Kendall, organizou a primeira Regata Oceânica realizada em Portugal.
Para a organização do evento, pediu apoio ao Real Clube Naval, utilizando o seu Regulamento de Provas e contando, para a fiscalização da prova, com os seus dirigentes: Joaquim Leotte, como júri de chegada, e Vasconcellos Thompson que foi dar a largada ao porto de Leixões.
No âmbito dos preparativos da regata, a Comissão de Regatas de Leixões em carta dirigida ao RCN, datada de 29 de Agosto de 1902, escreve: “ …agradecemos a boa vontade com que esse Club nos auxiliou n’ésta nossa primeira tentativa para a introdução de Corridas de vela no norte do paiz. …”
O Lia de D. Carlos e D. Amélia inscreveu-se na prova, facto que deixou “penhoradíssima” a Comissão de Regatas como refere na mesma carta: “ (…) Foi com verdadeiro enthusiasmo que recebemos a noticia telegraphica que S.M. a Rainha se dignou abrilhantar as nossas festas mandando o seu palhabote “Lia” a Leixões, pelo que a Comissão está penhoradíssima. (…)”.
A mesma comissão decidiu que se o Lia vencesse, enviaria a Lisboa emissários para entregar pessoalmente o troféu, intenção que é referida na carta, de 6 de Setembro desse ano, dirigida ao RCN: “… Se por ventura o “Lia” de S. M. a Rainha ganhar o primeiro premio pedimos venia para podermos mandar uma comissão fazer a entrega a S. M. (…)”.
A prova teve que ser adiada de 9 para 10 de Setembro devido ao mau tempo. Foi efectivamente vencida pelo Lia que chegou no dia 12 a Cascais, vencendo um par de serpentinas de prata. As outras embarcações o Helena, o Zephyr, o Vivandiére, o Dinorah e o Diana tiveram que voltar para trás, não aguentando o mau estado do mar. Combinaram efectuar outra regata entre eles, tendo largado no dia 14, à excepção do Zephyr, numa prova que se revelou bastante renhida, da qual saiu vencedor o Diana de Talone que venceu apenas com uma diferença de 2 minutos e quarenta e cinco segundos, tendo com prémio um par de castiçais de prata. (…)
Em 1903 e 1904 as edições da Regata contaram sempre com a vitória do Lia, iate de Suas Majestades.
Em 1905 a regata Leixões – Cascais foi realizada a 23 de Outubro, tendo desta vez sido organizada pelo recém-criado Grémio do Sport Náutico do Porto, e contou com o patrocínio do Rei D. Carlos que ofereceu o premio para as regatas do dia anterior na capital nortenha.
Aproveitando o apoio e beneplácito do seu Comodoro, Sua Majestade El Rei D. Carlos, o Clube Naval de Lisboa cresceu e difundiu os Desportos Náuticos pelo País abrindo secções e Postos Náuticos em Azambuja, Cascais, Trafaria, Luanda, Lourenço Marques, Portimão, Lagos, Pedrouços e Funchal. Estas delegações evoluíram mais tarde para os actuais clubes existentes nestas localidades.
Em 1904, a pedido do director do CNL, Joaquim Leotte, a Associação Naval de Lisboa, o Clube Naval de Lisboa, o Clube de Aspirantes de Marinha e o extinto Clube Naval Madeirense instituíram a Taça Lisboa em Remo como Campeonato de Portugal, Taça ainda hoje em competição, constituindo a prova desportiva mais antiga do nosso país.
A primeira regata foi realizada a 29 de Maio, tendo lugar ao longo da muralha da Junqueira, entre as docas de Santo Amaro e do Bom Sucesso.
A Real Associação Naval, o Real Club Naval de Lisboa, o Club dos Aspirantes de Marinha e o Club Naval Madeirense, promulgam as Bases da Convenção, ao mesmo tempo que aprovam o primeiro regulamento de regatas de Remo que estabelece as bases para a regulamentação “das corridas de embarcações de Remo“.
A Convenção tinha como fim último promover “o desenvolvimento do rowing portuguez”, a ela se devendo o rápido desenvolvimento que o Remo atingiu nos anos que se lhe seguiram.
Nas festas da Arrábida, em Setúbal, o Rei D. Carlos promoveu, assistiu e ofereceu o prémio para as regatas de Remo que se realizaram a 1 de Julho de 1906, nas quais participaram todos os clubes da capital, o Antigo Círio de Nossa Senhora da Arrábida, a canhoneira Vouga e o vaso de guerra Bérrio. Realizaram-se também competições de Vela e de Natação. As provas do ano anterior já haviam contado com o patrocínio de El Rei que tinha, inclusive, aprovado pessoalmente o Programa das Regatas, inscrevendo na regata de Remo os escaleres do Iate Amélia. As regatas de 1905 iniciaram-se com uma prova à vela entre a Junqueira e Setúbal.
A MOTONÁUTICA E A NATAÇÃO
Em 1906, na Natação, outra modalidade náutica muito apreciada pelo monarca, organizou-se a primeira prova de meia milha marítima, que teve lugar a 14 de Outubro no Alfeite, realizada pelo Real Gimnasium Club Português com o patrocínio e oferta de uma Taça por parte de D. Carlos, na qual se sagrou vencedor Rumsey, pertencente à colónia inglesa residente no Porto.
A partir de 1907 começaram a vulgarizar-se os barcos a gasolina e, como sempre, o Rei D. Carlos foi um dos impulsionadores das novas embarcações, adquirindo o Usona com motor Lozier. Juntamente com o Rei converteram-se à nova modalidade o Conde de Gimenez e Molyna, o Conde de Castro Guimarães, Fernando Anjos, Mariano Cardoso, Alfredo Bleck e George Norton entre outros. A primeira prova a motor oficialmente realizada, de que temos conhecimento, foi organizada pelo Real Clube Naval, a 29 de Setembro, em Cascais com o patrocínio e vitória de D. Carlos.
O REGICÍDIO E A PROCLAMAÇÃO DA RÉPUBLICA
A partir do bárbaro assassinato de D. Carlos e do Príncipe D. Luiz Filipe, a Vela e o Remo perderam muita visibilidade, em grande parte devido à sua ligação à Casa Real e também mercê dos atritos e corte de relações entre a Real Associação Naval e o Real Clube Naval, derivado das contendas das regatas de Remo, em especial da Taça Lisboa, que motivava a mudança de atletas entre estes clubes e o Clube Naval Madeirense, tendo mesmo proporcionado um duelo em Cascais entre Alberto Totta e Carlos Sá Pereira, e a destruição, numa zaragata, da Cervejaria Jansen, no Cais do Sodré, na sequencia de um empate entre as guigas Alice e Eleanora, nas Regatas do Centenário de Santo António. Esta desavença entre os dois maiores clubes náuticos portugueses só terminou com um jantar organizado por Mauperrin Santos, Presidente do Comité Olímpico Português, em que estiveram presentes os Presidentes dos dois clubes desavindos, já muito depois da implantação da república, em 1912.
A proclamação da República teve pois repercussões nos desportos Náuticos, sobretudo na Vela, com o desaparecimento dos Yachts Reais. Consequentemente, os clubes apadrinhados pela Família Real sofreram um duro revés. Porém, lentamente, conseguem reagir reformando os respectivos estatutos, ao mesmo tempo que diversificam a sua acção, tornando-se mais eclécticos, criando secções com diferentes modalidades desportivas, a par de uma intensa actividade cultural e social, patente na organização de festivais náuticos e na promoção de passeios à vela e a remos que movimentam grande número de sócios, respectivas famílias e despertam o interesse da sociedade da época.
Só depois, no Estado Novo, através da Mocidade Portuguesa é que a Vela e o Remo voltaram a ter os níveis de participação desportiva e organizativa existente na altura do Reinado de D. Carlos, o que demonstra o quanto os Desportos Náuticos devem a uma das maiores figuras do nosso Portugal, que começa agora a ser recordada como um grande Rei, cuja capacidade democrática é ainda rara no nosso tempo.
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